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sexta-feira, agosto 18, 2006

OPINIÃO




Um ofício cada vez mais intelectualCarlos Chaparro (*)

O DUPLO XIS DA QUESTÃO – 1) A carteira profissional deve fazer parte de um conjunto de princípios e normas, para que se coloque a atividade jornalística no contexto do ordenamento jurídico da comunicação social; 2) A questão da regulamentação tem de ser vista e debatida à luz da experiência cultural de cada sociedade. E há que olhar a experiência brasileira sem paixões nem cegueiras.

E que se faça a discussão...
Para completar minha participação na discussão sobre a regulamentação profissional do jornalismo, algumas idéias que me parecem relevantes.


1. A regulamentação é importante não por causa dos direitos que a carteira profissional possa conferir a quem a possui, mas por causa dos deveres que ela impõe a quem é atribuída. Por isso, e para que não se corra o risco de reduzir o documento da identificação profissional a mero instrumento de gerenciamento burocrático e instrumental da profissão, a carteira profissional deve fazer parte de um conjunto de princípios e normas, para que se coloque a atividade jornalística no contexto do ordenamento jurídico da comunicação social. Ordenamento que definiria a importância do jornalismo para a sociedade, a democracia e a cultura, tendo como base angular o direito dos cidadãos à informação, sem o qual a democracia se realiza.

Deriva desse direito o compromisso dos jornalistas com a verdade e a independência, com a contextualização dos fatos e com o projeto ético da Nação, do qual fazem parte a liberdade de expressão, a liberdade de opinião, o direito de saber e o direito de dizer. Só assim se pode definir e entender a responsabilidade social do jornalista, no exercício da sua profissão.

Para isso contribuiria, e muito, o tal “Estatuto do Jornalista” ou “Estatuto do Jornalismo”, a que me referi no texto anterior.

2. O tempo e o mundo fizeram do jornalismo uma atividade multidisciplinar complexa. Por isso, estudar é preciso. No plano histórico mais amplo, universal, temos de reconhecer que o jornalismo tem tradição de “profissão aberta”, sem vínculos com a obrigatoriedade de um diploma. Mas o mundo mudou muito depois daqueles velhos tempos em que se acreditava que para ser bom jornalista bastava ter uma boa agenda de telefones, saber ver, ouvir e tomar notas, e ter um “faro” apurado para detectar e apurar a notícia. E porque o jornalismo se tornou uma atividade complexa, cresceu e cresce no mundo a exigência de formação superior, quer por parte dos empresários quer por parte dos ambientes profissionais, cada vez mais multidisciplinares. Também por esse motivo, surgiram e se expandiram, no mundo inteiro, cursos de comunicação social, com as especializações profissionais que compõem esse campo. E nesses cursos se faz, de forma preponderante, o recrutamento de novos profissionais, mesmo nos numerosos países onde não existe a obrigatoriedade do diploma de jornalismo.

Na maioria dos países, ter ou não ter diploma ainda não é uma questão decisiva para a regulamentação profissional. Mas cresce a tendência internacional para a exigência de uma formação acadêmica de nível superior. Por outro lado, cada vez mais os profissionais jornalistas com formação acadêmica em outras áreas buscam estudos de jornalismo em nível de pós-graduação. E vice-versa: é cada vez mais comum, mesmo no Brasil, ver profissionais formados em jornalismo fazerem pós-graduação em outras áreas. O que é bom, enriquecedor, pois para o jornalismo convergem as complexidades e os conflitos do mundo, impondo à profissão vocação, exigências e características de atividade intelectual.

3. A questão da regulamentação tem de ser vista e debatida à luz da experiência cultural que moldou e molda a atividade jornalística em cada sociedade. Com cenários próprios no campo da regulamentação profissional, o Brasil desenvolveu uma experiência que não pode ser desprezada. Ao contrário: deve ser estudada, em sua significação histórica e cultural. Afinal, nos processos histórico-culturais, os ajustamentos e os avanços são produzidos pela aventura humana de viver e experimentar. E há que olhar a experiência brasileira sem paixões nem cegueiras corporativas.

Se alongarmos o mergulho na História, vamos chegar ao Hipólito José da Costa e ao seu Correio Brasiliense, primeiro jornal brasileiro. A grande questão em torno do Correio Brasiliense era a de saber quem financiava Hipólito. Pois o seu principal biógrafo, o historiador Mecenas Dourado, em livro de 1957 (Hipólito da Costa e o Correio Brasiliense, tomos I e II, Rio de Janeiro, Biblioteca do Exército), garante que o dinheiro chegava Londres enviado por D. João VI – e dá boas provas disso. Com as devidas e honrosas exceções, vem daí a tradição de atrelamento da imprensa brasileira aos cofres públicos e toda sorte de relações espúrias do jornalismo e dos jornalistas com o poder, quadro de que é símbolo exemplar o privilégio de não pagar imposto de renda, benesse que perdurou por décadas. A profissão era tão aberta que qualquer freqüentador ou membro das elite poderia ser jornalista. Para não pagar imposto de renda e viajar de graça.

Quaisquer que tenham sido as regulamentações existentes antes de 1969, elas serviram para criar e manter essa esculhambação – e me perdoem o termo.

Com a regulamentação de 1969, vinda já em tempos de ditadura militar, duas grandes variáveis marcam, desde então, a experiência brasileira: a obrigatoriedade do diploma; e ocupação da atividade de assessoria de imprensa por jornalistas, ou seja, a expansão da atividade jornalística para os espaços de origem da notícia.

A obrigatoriedade do diploma moralizou a profissão. E o estudo, o ensino e a pesquisa do jornalismo, com toda a precariedade dos cursos, contribuíram de forma significativa para a melhoria do jornalismo. Ética e tecnicamente.
Quanto à questão da assessoria de imprensa, mais do que uma questão de mercado de trabalho, é uma temática nova que mexe com os fundamentos do jornalismo. Penso, até, que o termo “assessoria de imprensa” ficou velho, superado. Não corresponde mais à complexidade que a questão adquiriu.Como escrevi há dias para um outro texto, aquilo a que no jornalismo antigo chamávamos de “fontes” são hoje sujeitos institucionalizados, estrategicamente capacitados para produzir acontecimentos noticiáveis. Aprenderam a gerar conteúdos e a interferir na pauta jornalística. E transformaram o jornalismo em espaço público dos conflitos em que se movimentam, usando-o para agir e interagir no mundo. Por isso surgiu e cresceu, nas fontes, um grande mercado de trabalho para jornalistas, profissionais especialistas no uso da linguagem.

Pelo entendimento tradicional da profissão, jornalista é aquele que trabalha nas redações. Pois em penso que a experiência brasileira rompeu com esse entendimento, ao estender ás fontes a cultura jornalística. Com riscos, sem dúvida. Mas também com grandes benefícios para a qualidade da informação que chega às redações.

Conheço experiências, e não são poucas, em os jornalistas atuam como verdadeiros educadores de fontes. E diante do poder irreversível que as fontes conquistaram e exercitam nos processos jornalísticos, considero a atuação de jornalistas na origem da notícia uma necessidade dos tempos modernos. Quem produz a notícia tem de assumir responsabilidades pela sua qualidade – e a atuação profissional de jornalistas nas fontes tem por isso, a meu ver, plena justificação.

Não é uma discussão simples, reconheço. Mas também não pode nem deve ser uma discussão emocional. Ou encarada com viseiras.
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“(...) qualquer seja o modelo de regulamentação da profissão de jornalista a que cheguemos, ele deve, sim, tender para a exigência de uma formação superior não necessariamente jornalística, em cursos reconhecidos. Ao mesmo tempo, porém, deveria conter fortes mecanismos de valorização dos cursos de jornalismo (graduação e pós-graduação).”


(*) Carlos Chaparro é português naturalizado brasileiro e iniciou sua carreira de jornalista em Lisboa. Chegou ao Brasil em 1961 e trabalhou como repórter, editor e articulista em vários jornais e revistas de grande circulação, entre eles Jornal do Commercio (Recife), Diário de Pernambuco, Jornal do Brasil, Folha de S. Paulo, Diário Popular e revistas Visão e Mundo Econômico. Ganhou quatro prêmios Esso. Também trabalhou com comunicação empresarial e institucional. Em 1982, formou-se em Jornalismo pela Escola de Comunicação de Artes, da USP. Também pela universidade ele concluiu o mestrado em 1987, o doutorado em 1993 e a livre-docência em 1997. Como professor associado, aposentou-se em 1991. É autor de três livros: "Pragmática do Jornalismo" (São Paulo, Summus, 1994), "Sotaques d’aquém e d’além-mar - Percursos e gêneros do jornalismo português e brasileiro" (Santarém, Portugal, Jortejo, 1998) e "Linguagem dos Conflitos" (Coimbra, Minerva Coimbra, 2001). O jornalista participou de dois outros livros sobre jornalismo, além de vários artigos (alguns deles sobre divulgação científica pelo jornalismo), difundidos em revistas científicas, brasileiras e internacionais.


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